Veja a avalia�o da CNTE sobre o documento elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE): Ptria Educadora: A Qualifica�o do Ensino Bsico como Obra de Constru�o Nacional – Vers�o Preeliminar – veiculado no dia 24 de abril de 2015. A avalia�o da CNTE tambm est disponvel no formato PDF – clique aqui. Introdu�o No ltimo dia 24, a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE- PR), comandada pelo Ministro Mangabeira Unger, lanou ?” sem anncio prvio ao Ministrio da Educa�o ?” minuta pblica sobre o projeto que poder embasar o lema do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff: ?Brasil, Ptria Educadora? – clique aqui para visualizar o material na ntegra. O documento, aberto a crticas e sugestes da sociedade, pretende lanar as bases do Governo Federal sobre as polticas de reformula�o da educa�o bsica no pas, sob quatro eixos: organiza�o da coopera�o federativa na educa�o; reorienta�o do currculo e da maneira de ensinar e aprender; qualifica�o e valoriza�o de diretores e professores e; aproveitamento das novas tecnologias. Para a CNTE, o norte da Ptria Educadora deve se concentrar no cumprimento integral da Lei 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educa�o (PNE, 2014-2024), observando-se o conjunto de diretrizes do Plano (art. 2o da Lei) e os prazos para implementa�o das 20 metas e das 254 estratgias. E para que o PNE saia efetivamente do papel, preciso, desde j, construir as bases para a regulamenta�o (institucional) do Sistema Nacional de Educa�o e do Regime de Coopera�o na educa�o bsica ?” corolrios do financiamento e da gest�o pblica do PNE e da educa�o em geral. A coopera�o federativa, inclusive, deve prever a implanta�o do Custo Aluno Qualidade (Inicial e Permanente) ?” poltica indispensvel para garantir a universaliza�o das matrculas com qualidade e equidade e a valoriza�o dos trabalhadores em educa�o de todo pas. Embora haja coerncia de parte do diagnstico do projeto Ptria Educadora com as aes indicadas no PNE (regime de coopera�o, valoriza�o profissional, nfase na aprendizagem dos estudantes), sua abrangncia limitada e as concepes de algumas polticas e aes indicadas como prioridades revelam retrocessos no debate educacional e precisam ser revistas, a fim de que o projeto alcance os objetivos maiores a que se prope: (i) construir um iderio nacional em torno da educa�o; (ii) definir aes que sinalizem o caminho a percorrer e (iii) organizar o debate que engaje a na�o na defini�o e execu�o das tarefas. Questes gerais de mrito Contrariando as resolues das conferncias nacionais de educa�o ?” e aproveitando o vcuo no PNE, que se eximiu em estabelecer conceitos sobre a qualidade da educa�o brasileira ?” observa-se que a proposta da SAE-PR se sustenta numa lgica de meritocracia empresarial (com premia�o de escolas e bonifica�o para professores e diretores, alm da possibilidade de afastar profissionais que n�o cumprem metas) h muito contestada pela principal idealizadora desse tipo de programa, a Dra. Diane Ravitch, que exps os malefcios dessas polticas nos sistemas de ensino de Nova Iorque, Chicago, Filadlfia, Denver e San Diego em livro de sua autoria ?Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano? (Brasil, Editora Sulina, 2011). Nesse sentido, o conceito de qualidade da educa�o, defendido na minuta da SAE-PR, contrape frontalmente o proposto pela CONAE, que pauta a qualidade socialmente referenciada para a educa�o brasileira, aquela que caminha em sintonia com as demandas da comunidade, do pas e que mantm estreito elo entre o Estado, a Escola e a Sociedade visando alcanar uma educa�o inclusiva, plural, democrtica, gratuita, laica e solidria. Chama a aten�o, ainda na linha da meritocracia, o vis da oferta educacional seletiva, por meio de incentivo forma�o de ?ilhas de excelncia? no sistema federal de ensino (com a cria�o das Escolas Ansio Teixeira), uma a�o desnecessria tendo em vista o estgio em que se encontram as Escolas Tcnicas e os Institutos Federais de Educa�o, Cincia e Tecnologia ?” integrantes da Rede Federal de Educa�o Profissional e Tecnolgica ?” em rela�o s demais redes pblicas do pas. Embora o projeto destaque a importncia de incluir a todos no sistema educacional de qualidade (e com equidade), ele sustenta fortemente a dicotomia universal/seletivo, que pode gerar iniquidades futuras. Em rela�o ao financiamento, a minuta da SAE-PR enfatiza o atual regime de colabora�o estabelecido entre a Uni�o e os entes federados, sem nenhuma inova�o ?” apenas prev maior nfase nos programas de transferncia voluntria. No que tange ao regime de coopera�o federativa (estratgia 20.9 do PNE), a proposta faz confus�o com as aes colaborativas (art. 7o da Lei 13.005), e em nenhum momento indica prazo e medidas concretas para a regulamenta�o do art. 23 da CF. Alis, tendo em vista a referida confus�o conceitual, seria salutar que o documento final fizesse distin�o clara entre os regimes de colabora�o (suplementar/voluntrio) e de coopera�o (distributivo/vinculante), a fim de contribuir com o debate sobre a regulamenta�o da coopera�o interfederativa na educa�o, para a qual j h projeto de lei em trmite na Cmara dos Deputados (PLP 413/2014). Sobre as diretrizes de carreira para o magistrio (e a proposta exclui os demais profissionais da educa�o), a op�o do projeto por uma a�o de governo (colaborativa) em detrimento do avano institucional perseguido pelos trabalhadores da educa�o e a sociedade, que pauta o comprometimento efetivo da Uni�o, estados, DF e municpios com uma poltica de Estado, a exemplo do Fundeb e do piso do magistrio, para estruturar planos de carreira capazes de valorizar com dignidade e no longo prazo os profissionais das escolas pblicas. O documento tambm ora aborda o conceito de Diretrizes Nacionais, ora o de Carreira Nacional, sendo esta ltima de difcil consecu�o na atual estrutura federativa. Mais frente esse documento de avalia�o da proposta ministerial abordar questes especficas sobre as diretrizes nacionais para os planos de carreira dos trabalhadores da educa�o bsica pblica. Quanto ao piso do magistrio, preciso deixar claro os princpios da Lei 11.738, dentre os quais a abrangncia nacional do valor e sua referncia mnima para os vencimentos de carreira nos estados e municpios. Tal como consta na pgina 18 da minuta, d a entender que ser�o adotados pisos regionalizados, colidindo com a Lei Federal. Diz parte do documento da SAE-PR: ?A carreira nacional ser vinculada ao piso salarial. E o piso salarial ser definido de maneira a respeitar as diferenas regionais e a permitir em cada regi�o progress�o adequada na carreira? (grifo nosso). O correto seria afirmar o compromisso da Uni�o em corrigir as diferenas salariais entre as regies, com investimentos nas carreiras dos profissionais. Ademais, o projeto ignora a meta 18 do PNE ao n�o prever a regulamenta�o do piso para todos os profissionais da educa�o (art. 206, VIII da CF). Sobre os eixos e aes, em especfico, os comentrios da CNTE s�o os seguintes: 1. Coopera�o federativa (financiamento) Ao contrrio do que pretende o projeto, infelizmente, nenhuma inova�o introduzida ao arcabouo da coopera�o/colabora�o federativa e do financiamento educacional, estando prevista somente a amplia�o de programas da Uni�o mediante a ades�o de estados e municpios em parceria com o FNDE, que atualmente coordena os Planos de Aes Articuladas ?” PAR (Lei 12.695) e o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educa�o (Decreto 6.094/07). Tambm o consrcio entre municpios, citado na minuta, j prtica comum orientada pelos arranjos de desenvolvimento da educa�o. O regime de coopera�o, previsto no art. 23 da CF, citado na minuta sem precisar as reas de abrangncia tampouco o prazo para sua regulamenta�o ?” o que tambm significa dizer que a Uni�o parece pretender manter o PAR e o PDE-Escola como mecanismos de gest�o do PNE, sem empoderar financeiramente os demais entes e sem compromet-los com a gest�o e a consecu�o das metas do Plano Nacional, em especial a que prev atingir o investimento equivalente a 10% do PIB na educa�o. O ponto crucial do financiamento, indicado no PNE, omitido na minuta do projeto, qual seja, a regulamenta�o do CAQi e do CAQ. A nfase da proposta da SAE-PR consiste em disponibilizar recursos voluntrios da Uni�o por meio de novos indicadores de avalia�o de desempenho das escolas e de redes escolares, ou ainda pela aloca�o urgente de recursos para ?consertar redes escolares locais defeituosas?. E isso significa o mais do mesmo do que se pratica desde a implementa�o do PDE-Escola, em 2007! Sobre o sistema nacional de avalia�o ?” parmetro orientador para o financiamento extra da Uni�o a estados e municpios ?”, a proposta tambm consiste em criar Cadastro Nacional de Estudantes, atravs da Prova Brasil, para monitorar o nvel de aprendizagem e facilitar ?a individualiza�o de oportunidades de ensino?. Fala-se ainda em criar rg�os colegiados para coordenar aes destinadas a assegurar patamar nacional mnimo de desempenho e qualidade. E nesses dois quesitos preciso ter cuidado com a nfase seletiva e punitiva na oferta escolar, conferida pelo documento preliminar da SAE-PR, o que contraria a lgica da qualidade social reivindicada pela CONAE. J o ?aproveitamento de instrumentos jurdicos como as Organizaes Sociais e as Sociedades de Propsito Especfico, com a finalidade de ?contribuir com a constru�o de um novo sistema pblico?, parece atender muito mais a lgica de barateamento dos ?servios escolares? do que propriamente poltica de Estado voltada para a qualidade da educa�o. Para a CNTE, e conforme dispem as orientaes da CONAE, as metas 15 a 18 do PNE e a prpria minuta do projeto Ptria Educadora (em alguns trechos), a qualifica�o e a valoriza�o dos profissionais da educa�o (professores, especialistas e funcionrios) a chave para a melhoria da escola pblica, aliado ao investimento necessrio em infraestrutura e nas condies de acesso e permanncia dos estudantes na escola. 2. Reorienta�o do paradigma curricular e pedaggico: a base nacional comum A CNTE entende que esse eixo n�o deve em hiptese alguma ignorar as diretrizes curriculares emanadas pelo Conselho Nacional de Educa�o para as etapas e modalidades da educa�o bsica e para a forma�o dos profissionais da educa�o, tampouco abdicar de um debate amplo com as agncias formadoras de profissionais, academia, esferas de governo, entidades sociais e os prprios trabalhadores em educa�o. Se a raz�o do projeto Ptria Educadora unir o pas em dire�o a um novo paradigma educacional, incluindo a quest�o curricular dos estudantes e a forma�o dos profissionais da educa�o, nada mais contraproducente que isolar setores criando, inclusive, novos espaos de forma�o profissional dos educadores sem uma parceria efetiva com o ensino superior por considerar, a priori, intransponvel a ?autonomia universitria?. preciso apostar no dilogo propositivo com esse nvel de ensino encarregado pela forma�o docente no pas. Em rela�o ao currculo escolar, propriamente, embora esteja claro na minuta da SAE-PR o princpio da substitui�o do ensino enciclopdico por contedos mais aprofundados e com ?foco na anlise verbal e no raciocnio lgico e matemtico?, preciso assegurar o acesso dos estudantes a todos os conhecimentos de base humanstica/social e artstica/cultural, n�o podendo limitar a escola a currculos de competncias voltados para testes padronizados (nacionais e internacionais) ou exclusivamente para a agenda empresarial. Essas preocupaes d�o raz�o suficiente para se abrir amplo debate sobre a Base Nacional Comum Curricular, antes que seja proposta qualquer poltica governamental ou de Estado nessa rea, sobretudo aquelas envolvendo configuraes de Sequncias Padr�o e Especiais para estudantes ou a cria�o de Centros de Qualifica�o Avanada para Professores e escolas de referncia na linha da seletividade apontada no tpico anterior. 3. Diretores e Professores O Projeto n�o contempla o conjunto dos trabalhadores escolares listados no artigo 61 da Lei 9.394/96 (LDB), o que precisa ser corrigido levando-se em considera�o as metas e estratgias previstas no PNE para professores, especialistas e funcionrios da educa�o, inclusive quando no exerccio das funes de dire�o, coordena�o e assessoramento pedaggico. O grave diagnstico apresentado sobre os cursos de forma�o de professores em universidades pblicas, e em especial nas particulares, remete a aes governamentais urgentes, como dito mais acima, no sentido de aprofundar o dilogo com essas instituies visando a corrigir os rumos da forma�o inicial dos profissionais da educa�o, caso contrrio, o Estado continuar gastando fortunas para tentar corrigir equvocos na forma�o, sem garantias de que ser possvel corrigi-los. J os conceitos de qualidade amparados na meritocracia empresarial predominam nos objetivos a serem alcanados tanto na forma�o de professores como na atua�o dos diretores escolares ?” segmento este destacado no projeto da SAE-PR. Entre as aes mais problemticas ?” do ponto de vista da experincia nacional e internacional ?” figuram as premiaes de escolas e de profissionais que atingirem as metas pr-determinadas e as punies aos que ficarem abaixo da mdia. Prova Nacional Docente: a Lei 12.796/13, que introduziu 3o ao art. 67 da LDB, estabelece que ?A Uni�o prestar assistncia tcnica aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios na elabora�o de concursos pblicos para provimento de cargos dos profissionais da educa�o?. Esse o sentido da Prova Nacional e a CNTE tem acordo em sua aplica�o para todos os formandos dos cursos de Pedagogia e Licenciatura, e de forma opcional aos docentes das redes pblicas, j que ela representa oportunidade de emprego para os/as professores/as em quaisquer redes de ensino do pas credenciadas junto ao MEC. Com rela�o s diretrizes de carreira, cinco consideraes: (i) a luta da CNTE e a indica�o do PNE (meta 18) apontam para a inclus�o de todos os profissionais da educa�o nas diretrizes e no piso salarial nacional, n�o s os professores como destaca a minuta da SAE-PR; (ii) por se tratar de poltica estratgica, deve ser construda em Lei e n�o por meio de programa. E a forma infraconstitucional n�o fere o pacto federativo, desde que a Uni�o assuma compromissos tais como assumiu no art. 4o da Lei 11.738 (piso do magistrio); iii) a certifica�o por si s medida contraproducente para acessar vantagens na carreira, podendo ser adotados critrios de incentivo progress�o funcional mediante a qualifica�o do trabalho dos profissionais, luz dos referenciais dispostos na Resolu�o no 2/2009 da Cmara de Educa�o Bsica do Conselho Nacional de Educa�o (art. 5o, inciso XVI); iv) polticas de bnus e de gratificaes n�o devem integrar a essncia dos planos de carreira, devendo esses dispositivos, quando praticados pelas redes de ensino, serem considerados remuneraes extras carreira. O pas precisa de uma poltica slida de carreira para os trabalhadores da educa�o escolar, com vencimento inicial pujante, dividida por nveis de forma�o profissional e com disperses ao longo do tempo que possibilite aos jovens e aos profissionais em exerccio nas escolas se sentirem atrados para a profiss�o; v) o piso salarial dos profissionais da educa�o, de abrangncia nacional, deve ser definido em valores compatveis com os de outras categorias e aplicado numa estrutura de carreira que permita equiparar a remunera�o mdia dos profissionais do magistrio com forma�o em nvel superior com outros de mesmo nvel de escolaridade. Hoje a defasagem de 35%. J a diferena remuneratria entre os funcionrios da educa�o e as demais categorias com mesmo nvel de escolaridade deve ser igualmente apurada e equiparada. 4. Tecnologias e Tcnicas Embora a minuta da SAE-PR destaque a importncia da qualifica�o dos professores para atuarem com as tecnologias da informa�o e comunica�o (TICs) ?” e devemos incluir na proposta os funcionrios destacados para as reas de multimeios didticos e de secretarias e gest�o escolar, luz do art. 62-A da LDB ?” bastante inquietante o destaque dado pelo documento s aulas sobre contedos curriculares a serem transmitidas via satlite, ou gravadas em vdeos por ?professores de referncia?, para que sejam reproduzidas nas salas de aula do pas. Para a CNTE, preciso priorizar a qualifica�o dos profissionais que atuam nas escolares, na linha da estratgia 7.12 do PNE, que aponta para o desenvolvimento de tecnologias com o objetivo de incentivar prticas pedaggicas inovadoras em todas as etapas do nvel bsico, visando a melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, ?assegurada a diversidade de mtodos e propostas pedaggicas, com preferncia para softwares livres e recursos educacionais abertos?, sempre aplicados pelos docentes das escolas pblicas. A ?garantia? de que o professor n�o ser substitudo pelas aulas de videoconferncia, nas condies enfatizadas no projeto, n�o quer dizer que o papel dos docentes na rela�o ensino/aprendizagem n�o ser efetivamente secundarizado, gerando conflitos de inmeras ordens, inclusive pejorativos e preconceituosos sobre a capacidade dos docentes em lecionar temas especficos. Por bvio, as videoconferncias podem e devem ser utilizadas como suporte aprendizagem, especialmente em rela�o aos temas transversais do currculo. Mas sua prtica cotidiana, como prxis do trabalho escolar (ensino/aprendizagem) inconcebvel e revela uma op�o barata de se tentar qualificar as aulas expositivas, porm sem nenhuma garantia de xito e com alto nvel de estresse nas relaes escolares envolvendo profissionais, estudantes e comunidade. 5. Conclus�o Diante das divergncias conceituais observadas no documento da SAE-PR, especialmente em rela�o s deliberaes da Conferncia Nacional de Educa�o ?” espao promovido pelo Ministrio da Educa�o em parceria com a sociedade ?”, parece-nos indispensvel o envolvimento imediato de outras reas do Governo no debate do projeto ?Ptria Educadora?, sobretudo do MEC, com vistas a avanar na proposta e a garantir novos canais de interlocu�o entre Governo e Sociedade. Braslia, 29 de abril de 2015. Diretoria Executiva da CNTE