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MT: governo aposta em confusão conceitual

Publicado em 24/05/2016 por 

Era de se esperar. Bastou os alunos ocuparem e os professores decretarem greve contra a privatização e o governo do MT começou a causar confusão conceitual. Antecipei para os sindicalistas de MT que o governo Pedro Taques ia dizer que terceirizar a gestão de processos escolares não é privatizar. Ou que a privatização dele é melhor do que a dos outros. Elas sempre aparecem como uma “inovação”.

Para o governador, só haveria privatização se ele estivesse vendendo o hospital, a escola ou a estrada. Como na terceirização de gestão o bem continua público, então ele considera que não há privatização. Antecipei isso em base à experiência de Goiás, onde também se usa esta argumentação oportunista.

Diz o governo:

“Sobre o primeiro ponto reivindicado pelos jovens, a possível privatização de 76 das 456 unidades escolares, Taques voltou a afirmar que o Estado não irá privatizar nenhuma unidade sequer e que o processo de Parceria Público Privada (PPP) será amplamente debatido com a população.

“Não acreditem em mentiras, nós não privatizaremos escolas. A PPP não significa privatização, a estrutura física do prédio será gerida pela iniciativa. Isso significa dizer que o banheiro quebrado, que a descarga com problema, que a pintura, por exemplo, serão executados pela parceria, mas a gestão disso será feita, notadamente, pelos servidores públicos. Nós não podemos mudar, a escola tem que ser pública”, completou.”

O governo de Mato Grosso quer começar a passar as escolas para a iniciativa privada mas não quer ter o ônus de ser considerado um governo que privatizou a educação. Daí a fala dúbia e a tergiversação. Há uma privatização da gestão da escola disfarçada de privatização de serviços não pedagógicos, como se a gestão de uma unidade escolar não fosse uma questão pedagógica.

Em Goiás, foi a mesma coisa. Para se disfarçar a privatização, manteve-se o Diretor da Escola com status público, junto com uma Organização Social que administra terceirizadamente as escolas. Mas quem responde pelas metas pedagógicas da escola (IDEB) é a terceirizada.

De fato, estes movimentos em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Ceará e outros constituem apenas o começo de processos de privatização e como sabem que há forte reação à privatização de escolas, começam por privatizar as áreas que são mais fáceis de serem vistas como “não pedagógicas”. Outros passos virão depois. Mas o próprio governador se complica ao tentar explicar a diferença entre administração por PPP e por OS, pois ao fazer isso, acaba por reconhecer ambos como processos de privatização:

“Taques também explicou a diferença do projeto de PPPs e da administração feita por Organizações Sociais (OSS). Ele pontuou que o modelo desenvolvido por Mato Grosso não leva em conta a gestão pedagógica, visto que os professores continuarão sendo servidores públicos com vínculo na Seduc, como é atualmente, sem alteração. A proposta é que somente a parte de estrutura e serviços ficam com a empresa que ganhar a licitação para tocar a obra. Além disso, ao fim do contrato, a escola passa a ser um bem do Estado.”

Mas isso, como apontei acima, é o que também diz o estado de Goiás para justificar o uso de OS por lá. Onde está a diferença?

Esta diferenciação entre administração por PPP e por OS não convence, pois elas podem ser perfeitamente combinadas. Não é uma diferenciação propriamente dita, pois estes dois processos (PPP e OS) podem ser complementares e não opostos. Podem ser objetos de processos complementares de privatização, com chamadas diferenciadas e sequenciais.

O estado de MT tem hoje mais de 50% de seus professores contratados provisoriamente, sem concurso. São temporários. Em Goiás estes professores serão transferidos para as organizações sociais. Nada impede que se faça isso também em MT, em momento posterior, contratando-se ou ampliando-se o contrato das empresas que já estiverem administrando as escolas e mudando o escopo do contrato para incluir serviços pedagógicos.

O fato é que os Estados estão iniciando os processos de privatização cada um a seu modo, tentando obviar os embates políticos e procurando apresentar-se como “não privatistas”.

É preciso enfrentar este projeto privatista agora, e não importa se é PPP ou OS – é privatização que uma vez iniciada seguirá em frente.

Como diz o presidente do Sindicato:

“Historicamente, defendemos a escola pública. Alguns projetos chegam para a sociedade sem revelar a intenção e causam confusão. Por que Mato Grosso, um dos estados mais ricos da federação, não tem condições de construir escolas? Porque a riqueza do estado está sendo canalizada para uma pequena parcela da sociedade”, avaliou o sindicalista.

Ele pontuou, no entanto, que o sindicato não é contra todos os pontos do projeto, mas alguns, segundo ele, não podem ser aplicados no setor público. “Nós somos contra a concessão de serviços públicos para a iniciativa privada, até porque o público e o privado já fazem parcerias e a própria operação [Rêmora] mostra que as relações com o público e o privado nem sempre atendem aos interesses públicos”, declarou Lopes, se referindo às irregularidades em contratos firmados pela Seduc com empresas para a construção e reformas de escolas. Os crimes vieram à tona durante a operação.”

Devemos ter presente que existem várias formas de privatização: por venda, por vouchers e por terceirização. São apenas modalidades diferentes de privatização. Na primeira, o bem é transferido integralmente para o comprador. Na segunda, apenas se dá dinheiro para os pais escolherem qual a escola (pública ou privada) em que querem matricular seus filhos, e na terceira, apenas a gestão da escola é privatizada, sem que o bem seja transferido para a iniciativa privada.

Quando as estradas foram entregues a terceirizadas para que fossem geridas, falou-se sem cerimônia em “privatizar as estradas”. Mas agora, quer se ocultar a privatização de escolas alegando que terceirizar não é privatizar. Ou que vão terceirizar a gestão que não é pedagógica. Ou ainda que PPP é diferente de OS. Ora, tudo isso é privatização.

Outra argumentação para tentar escapar da acusação de terceirização, é separar a gestão do pedagógico da gestão propriamente administrativa – como se fosse possível fazer esta separação. A escola não é uma fábrica onde os processos possam ser separados e tratados isoladamente. O gestor de uma escola exerce um papel pedagógico e sempre se defendeu que o especialista (gestor) fosse formado no professor, exatamente porque a administração de uma escola exige que o gestor seja familiarizado com o exercício profissional. Esse é o sentido de formar o especialista no professor, ou seja, que antes de ser um especialista em gestão ele deva ser um professor experiente.

Além disso, uma escola lida com jovens e com a finalidade de promover relações educativas. Todos os profissionais que trabalham na escola, independentemente de serem ou não professores, têm funções pedagógicas.

Uma terceirizada recruta pessoas que possam ser mal remuneradas, procuram pagar pouco e, portanto, tendem a colocar pessoas mais desqualificadas em seus postos de trabalho, ou seja, pouco preparadas para exercer uma função educativa. Trocam estas pessoas frequentemente e quebram as relações que possam ser estabelecidas por profissionais estáveis que conhecem os alunos e acompanham sua vida ao longo dos anos na escola. Destroem a comunidade escolar pela frequência das trocas que fazem diariamente demitindo uns e contratando outros para as escolas.

O governo de MT quer navegar na confusão conceitual e, com isso, passar o seu projeto.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – (SP) Brasil.

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