Rosana Leite Antunes de Barros
O senso comum assimila a violência doméstica contra as mulheres às agressões físicas. Ao saber que um homem agrediu fisicamente a sua parceira, o clamor, em regra, é certo. Entretanto, o artigo 7º, II, da Lei Maria da Penha, definiu como uma das formas de agressão às mulheres a violência psicológica.
Essa forma de brutalidade, por vezes, machuca muito mais que a lesão corporal. As feridas expostas secam, saram e desaparecem. Porém, as marcas no psicológico são indeléveis. A conduta que cause dano emocional e a diminuição da autoestima da mulher é capaz de acompanhá-la para o resto da vida.
A escritora e artista americana Zahira Kelly começou uma campanha no Twiter com relatos de violência psicológica e abuso emocional denominada ‘Maybe he doesn’t hit you’, que no Brasil foi assim traduzida: #elenãotebate. Os relatos foram muitos, demonstrando o quanto as mulheres vivem relacionamentos abusivos. ‘Ele pode não te bater, mas te convence a deixar sua vida e desistir de ter autonomia’. ‘Ele pode não te bater, mas reclama da sua barriga depois que vocês tiveram filhos e diz para você emagrecer antes que ele arrume uma menina 15 anos mais bonita’. ‘Ele pode não te bater, mas só chega à casa nervoso com o mundo e sem grana, e começa a te deixar para baixo por ser uma inútil que o deixou falido’. ‘Ele pode não te bater, mas você já o viu socar tantas paredes e destruir objetos que se pergunta se você será a próxima’. ‘Ele pode não te bater, mas vai encontrar algo errado em cada amigo que você tem, para que você ache que ele é a única coisa boa para você’. ‘Ele pode não te bater, mas ameaça se matar toda vez que você fala em terminar ou dar um tempo’. ‘Ele pode não te bater, mas não para de te perguntar sobre seus relacionamentos passados e a julgar você por qualquer coisa que responder’. ‘Ele pode não te bater, mas ameaça sua segurança financeira, mina sua autoridade e constantemente diz que você não é nada sem ele’. ‘Ele pode não te bater, mas grita com você mesmo que você não tenha feito nada’. ‘Ele pode não te bater, mas grita com você e te humilha em público’. ‘Ele pode não te bater, mas ridiculariza seus hábitos e interesses, até conseguir transformar você na mulher que ele quer que seja’. ‘Ele pode não te bater, mas diz que você deveria ser agradecida por ele não te bater’. ‘Ele pode não te bater, mas a obriga a deixar de usar saias e vestidos’. ‘Ele pode não te bater, mas te faz procurar defeitos em si mesma’. ‘Ele pode não te bater, mas te faz pedir desculpas pelos erros dele’.
A felicidade não pode estar presente onde são tolhidas a liberdade de agir e se expressar. Essa é uma campanha onde as mulheres poderão identificar se são vítimas de violência doméstica e familiar. É preciso que compreendam que relacionamentos abusivos podem se tornar ainda mais graves, redundando em lesões corporais graves e feminicídios. Aquele ou aquela que comete um delito contra o psicológico de outrem, está a um passo de fazer algo pior. As mulheres precisam entender que não se encontram sozinhas e não são as únicas a passar por essa triste situação, a ponto de se encorajarem para sair desse ciclo, lavrando boletins de ocorrências contra os agressores.
A Organização Mundial de Saúde aponta que a agressão psicológica é a mais frequente na relação intrafamiliar à mulher a degradando, diminuindo, prejudicando e perturbando o seu pleno desenvolvimento. Entende-se como esse tipo de violência, também, o controle das ações, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio. Muitas mulheres, com o sentimento de cárcere privado e diminuição da autoestima, enfrentam a tristeza profunda que se transforma em quadro depressivo, com reflexos na saúde mensal e física. ‘Um golpe de açoite produz contusões, mas um golpe de língua quebra os ossos’. Eclesiástico, 28,17.
Rosana Leite Antunes de Barros é Defensora Pública Estadual, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso, e escreve em A Gazeta.